Quase um obrigatório clichê para mais um findar deste longo mês. ‘Águas de Março’, talvez seja a “festa da cumeeira” da música popular brasileira.
Tom Jobim a compôs sem grandes pretensões, entre idas e vindas a seu sítio na região serrana do Rio de Janeiro, no ano de 1972. Tempos cansativos são anunciados em primeiro toque: “é pau, é pedra, é o fim do caminho”. A primeira apresentação da nova composição foi para os amigos chegados, entre chopes e empadas do lendário Antonio‘s. Era só o início da trajetória sem fim da obra-mestra.
Quem nunca se deliciou com a perfeição do duo Elis & Tom, na versão acachapante e também a mais conhecida, entre as dezenas de gravações existentes ao redor do mundo. A alta finesse melódica dita o ritmo progressivo da gravação. Algumas notas solos do piano de Tom são “o pingo pingando”, entre a simplicidade e a sofisticação que permeia a hipnótica linha melódica jobiniana.
E o Joãozinho? Esse, que sempre esperou o momento, uma justificativa e sua própria razão para uma nova gravação, o fez um ano depois do nascimento da composição. No mesmo ano da gravação solo de Tom, em seu ‘Matita Perê’ e, um ano antes do álbum Elis & Tom. Que temporada.
A mítica batida de João desfila elegante na composição que originalmente foi composta por Tom no violão, sobre a sonoridade e dinâmica desenvolvida pelo mago baiano. Parece até um gesto, uma ponte, um presente.
Arquitetura modernista de viver. Escuta geométrica e dissonante em alta complexidade. Meio acelerada, como quem anseia pelo fim da picada. Mas em gestos hipnóticos e repetitivos, como um mantra. Na delicadeza e no grave de João. Um pedaço de pão. Uma luz da manhã. Vestida de simplicidade, pelo tocante prazer da escuta.