um encontro

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Jules Breton (Francês, 1827–1906), Asleep in the woods, 1877 – Fonte: Storie dell’arteSem que procurasse, me deparei com esse belo retrato pictórico de Breton; instantaneamente me veio uma recordação de vida de quase trinta anos atrás, mais de um século da feitura desta idílica obra.

A cena era de alguma forma parecida, só que eu, bem menor que esta moça extasiada e precavida. Tinha uns sete anos de idade, cabelos pretíssimos fartamente encaracolados e um reluzente e extenso mundo paralelo entre a leitura e a natureza, ambas abundantes naquela casa e seu quintal, que para mim significava um retângulo infinito de possibilidades.

Havia como de costume, subido na goiabeira no meio da tarde para ler gibis e ver tudo mais alto. Não sei porque desta vez, talvez antevendo algum modo adulto, me entrelacei profundamente com o sono, só que a minha poltrona eram os braços fortes da árvore que também sustentava meu balanço.

Fui despertado sem nenhum modo. A queda, um vôo rasante, demorado e inesquecível rumo a placa de cimento – que um dia já foi muro – e ficava cerca de um metro abaixo do nível inicial do tronco, aumentando ainda mais o impacto e a dor lancinante sobre meu heróico braço sinistro e partido ao meio. Fecho os olhos por um segundo. Sinto a língua do Banzé, que me vem lamber o rosto e trazer notícias da Terra.

Levanto com dificuldades, rápido, porém ainda confuso. Caminho lento lá para baixo, chorando silencioso e segurando o mais novo estrago, o maior da minha vida até então. Banzé, faz a sua parte e como cachorro querido que era, me acompanha até a porta dos fundos. Sigo andando pelos corredores estreitos, cozinha, copa, quartos, com o intuito de encontrar alguém.

Escuto o rádio-relógio do meu Vó, sintonizado na Scala FM, tocando alguma música suave e orquestrada. O som cresce com meus passos, até ver o que previa. Ele lá em seu quarto azul clarinho, cochilando calmamente com uma mão amparando a nuca e a outra sobre a barriga magra e branquela, trajando seu calção verde e surrado da Adidas. Pela necessidade, ouso despertá-lo de seu sempre merecido descanso. Ele levanta quase em um pulo, para em seguida trocarmos um olhar assustado, pausado. Quando então, relato o encontro com essa pintura.

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sopra a dança

No sétimo compasso, foi sua última dança. O silêncio crava. As mãos desvanecem. Passo a feira de quinta. Derramo a feira de quinta. O gato contempla os passos. Passo a contemplação. Passo alto. Passo eu. Passo de leve. Passo também o terraço, passo o banco de madeira. Passo. Passo o pé de manga, passo o pé de goiaba, passo o pé de pêssego, passo o pé de cana, passo o pé de flor, passo os pássaros inquilinos. Passo este verão. Passo por passo. Passo o relógio. Passos perdidos, passos ganhos, fulgurantes passos. Se inflamam emoções simples, emoções nuas, emoções sem enredo. Orquestrações baratas, naipe de metais repercutem em exclusiva missão de rodopiarem os velhos corpos. Dividem os suspiros. Dividem a água pura. Dividem o salão. Dividem a pura sensação. São abrigos. Telhados não tem cor. Cor somente no verde. Das externas paredes. Em cores. Sem ter tempo de se perder, sem ter tempo de abrir a porta para sonhos se atreverem em azuis. Sol rachando o dia. Muito clarão, tempo. Irrefletidos momentos. Caminhos pisados. Saraus reprimidos. Poucas palavras, míseros sorrisos sem afobação. Do segundo. Da dança. Sem quase. O sol é refletor dos velhos. Qualquer coisa de finito. Escalda sol, sopra. Duas horas e meia para a crescente lua. Nem quinze minutos separam a casa que é seu lugar, da dança em décadas de bemóis. Calça os sapatos e dança com sua velha mulher. Meu velho. Abotoa tua velha camisa branca. Na sala acanhada, o telefone divide o quadrado com o tapete tentando silenciar os passos. O cochilo alumia o prelúdio da dança. Fevereiro é quentura. Na televisão os três tentos da seleção brasileira sobre os americanos de camisa azul marinho e gola vermelha. O copo americano vazio aguarda o vinho seco do garrafão dormente, em chão frio. De talher apenas o garfo, que raspa elegante a comida sobre prato de vidro marrom. Almoçou meio-dia e pouco como sempre. Olha no alto. Orvalho preguiçoso desperta o mato. Sopra a manhã. Sopra o topo das árvores. Verte a dança, sopra o sétimo compasso. 

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