Camuflado de cinza, saio para almoçar. Chego a flertar de leve com a barraca de pastel que avança a avenida. Não sou desses que pode comer qualquer coisa sem nenhum prejuízo com a balança. Sigo direto para o restaurante por quilo sem graça e piedade sociedade limitada. Pela primeira vez em um triênio a senhorinha mal-humorada do caixa me dá uma boa tarde, ainda que de soslaio. O almoço promete.
O buffet é aquele final de domingo eterno e pausado. Na minha frente uma senhora com um celular no ombro, não parece estar em plena harmonia com a felicidade. Está embrulhando quatro quentinhas simultaneamente, todas com arroz integral e brócolis, enquanto manda alguém, provavelmente um parente, ir encontrá-la na esquina, quem sabe. Sigo velando as verduras, observo o corte impiedoso nos tomates e o trabalho preguiçoso com as beterrabas. Heroicamente, um salpicado gráfico de salsinha sob um patê tenta dar vida ao insosso. Instantaneamente, recordo daquele programa apresentado por um drone e um dublador com voz de personagem de Patópolis, “Mundo Visto de Cima”.
Na área externa do restaurante, me acomodo em uma mesa de canto de mundo, o que provaria não ser o bastante. Um efusivo grupo de mulheres me deixa atualizado sobre os mundo dos famosos, quem está namorando com quem e qual a estampa do biquíni de alguma fulana. Uns moleques contando suas vantagens por ali e um grupo do outro lado conversando sobre a rotina de sempre, com aquele orgulho executivo e uma gravata pendente sobre tudo e sobre todos. De maneira geral, aquele fuzuê.
Um festival de vozes complexo para um trabalho coral. Poderia sim, estar ouvindo Bedřich Smetana, Thelonius Monk ou Zeca Pagodinho, mas decidi encarar o mundo em sua tecitura. Evidente, havia outras vítimas como eu naquele campo de batalha, que por respeito, não serão descritas.
Na volta, resolvo mudar o caminho e passar pela rua da feira. Como um Marechal de campo satisfeito com a vitória, olho de maneira lenta triunfante a desmontagem da barraca do pastel, mesmo que em lamento contido pela ausência da barraca da banana. Já era tarde para tropicalismos, afinal.
Pego um pacote com o porteiro, um pouco de insanidade embalada. Mais seis livros que não tenho ideia de qual idade terei quando finalizá-los. Coloco sobre minha mesa, onde enfileirados estão mais uma penca de outros títulos em andamento e alguns outros que dali não saem. Por puro prestígio e uma cortês companhia.
Imagem:
Heitor dos Prazeres
“Roda de Samba”
Óleo sobre tela
1952