armas

Parabéns a todos os artistas, educadores, jornalistas e profissionais da informação, que mantém o pulso firme, ainda que doloroso, respeitando a plena essência de sua atividade. Que não são tomados e por vezes corroídos profissionalmente pelos braços envolventes e perniciosos da publicidade, que confiam plenamente em seus valores éticos e morais; que de fato são dignos de lidar com a mais poderosa arma do ser humano: a comunicação.

“kis Balázs” (Garoto com a pequena bola)
Erős Apolka
2015

Escultura inspirada na obra do poeta Attila József.
Exposta em Gödöllö – Hungria
Foto: Felipe Gavioli

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noturno

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Noturno

Chove. Lá fora os lampiões escuros
Semelham monjas a morrer… Os ventos
Desencadeados vão bater, violentos,
De encontro às torres e de encontro aos muros.
 
Saio de casa. Os passos mal seguros
Trêmulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos,
Negro, ameaçando os séculos futuros!
 
De São Francisco no plangente bronze
Em badaladas compassadas onze
Horas soaram… Surge agora a Lua.
 
E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos
Enquanto a chuva cai nos cemitérios
E o vento apaga os lampiões da rua!

Augusto dos Anjos

encruzilhada 

Passa lá um tiozinho com sacola de mercado e ramo de alho-poró tomando sol, pote de sorvete dos bons se revelando na transparência da sacolinha verde, senhora com jaqueta estilosa em plena demasia solar, engravatado com gel nas ideias, moleques fora do eixo tomando pingado no meio fio, carro que desce, van que sobe, caminhão descarregando produtos indecifráveis, vendedor de orquídeas aguarda, casalzinho fitness procurando um espelho, alguém perdido, alguém muito convicto, adesivo no muro, cartaz no poste, sombra gigante da árvore guardando a banca de jornal, manchetes, fotos, revistas, bobagens, gente, pãozinho na padaria, finalizo o suco de melancia com gengibre, dou bom dia ao português que me responde qualquer coisa com um leve gestual de bigode e então, por fim, desço ladeira, e saio dessa encruzilhada onde acontecem coisas mais distintas do que um trabalho forte e apimentado de macumba com farofa e 51. 

Na foto, esperei com alguma insistência, a falta de presença, uma pequena dose de ninguém.

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valsas & despedidas

Derramo na praça as últimas migalhas matinais do meu croissant, quentinho e baratinho, que pego ali na estação de metrô. Observo o vai e vem húngaro e nem penso em nada além da maciez amanteigada que tenho em mãos. Mais uma vez não estou sozinho. Ela está lá, me fitando a uma distância cada vez menor. Quando viro a cabeça devagar, mastigando sem elegância, ela finge sem saber fingir. Dá uma volta, um passo lateral. Parece uma valsa desajeitada. Eu não faria pior. Nossa comunicação fica mesmo apenas no olhar. A cena vai caminhando em andamento até repetitivo, enquanto percebo exacerbar a quantidade de migalhas do folhado que pairaram e se instalaram momentaneamente no chão da Kálvin tér. Finalizada tal iguaria, levanto da mureta, olho decisivo pelo última vez para ela, e observo que agora são em três. Menos tímidas. Nem me fitam mais. Caminham agora em marcha rumo as ruínas de um saudoso café da manhã. Não gosto de despedidas. Nem olho para trás.

objetivamente fotográfico

Seja sobre uma ponte ou na boca da saída de um metrô, o processo de construção de imagens urbanas, digo por mim, que faço todo meu material na rua, é algo extremamente solitário e individualista, não que isso seja um problema, mas uma constatação que não se deve deixar para trás. Muito mais erros do que acertos na linha de contato.

Ficar por um bom tempo em um mesmo local, ajuda muito no processo de camuflagem e entendimento de um ponto específico. Deixar o cérebro na espera, para talvez, de repente começar a enxergar outros desenhos em uma cena. Mas esse processo também não é garantia que vá se construir algum material de qualidade. Há tantas fotos que despertam em “apenas um disparo”, revivendo o eterno clichê fotográfico do momento decisivo. Só que em verdade esse ‘Leitmotiv’ passa por tantas outras estações.

Há um confronto durante todo o tempo. Limitações técnicas, físicas, sociais. Se observa pelo buraco da fechadura para descobrir algo imenso, mas também há momentos para abaixar a guarda e desistir de alguma confecção que só existirá via papel, lápis e alguma imaginação. Não me agrada mexer pecinhas. Respeito o máximo que puder a organicidade da cena, mesmo que recorte algo que não me interessa e por vezes altere completamente a compreensão do espectador, mas me conforta saber que finalizei um trabalho sem deixar rastros, principalmente no meu arquivo pessoal de rememorações.

Finalizando, a moldura da beleza nem sempre é aliada. Talvez essa seja a trucagem mais traiçoeira da fotografia, até mesmo para os olhares mais experientes. Todo cuidado é pouco para não se envolver demasiadamente nesse belo refúgio de delírios visuais.

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camera obscura

Acordo com sede. Estava sonhando com fotografias. Estava sonhando na inutilidade de um monte de fotógrafos reunidos olhando para a mesma cena. Isso é um negócio que funciona bem solitário. Mas deixa pra lá. Arrasto os pés até a cozinha, respeitando a escuridão e também minhas retinas, apenas com a luz da lua iluminando alguma coisa. Como bom coruja, no caminho procuro o Elvis. Lá está alguma coisa ali na porta da sala, perto do chapeleiro, deve ser ele deitado. Teimoso, poderia estar na varanda, está bem mais fresco. Talvez ele pense o mesmo de mim. Ouço qualquer coisa, deve ser ele que mexeu uma pálpebra e meia pata ao ver essa coisa estranha passar com a elegância de um pato de boia na calçada esburacada.

Depois de colocar fim à sede por um período de cinco minutos, aproximadamente, vou até a janela dos fundos. Gosto de olhar a casa vizinha atrás do prédio. O pessoal fez reuniões que definiriam a realização da ‘Semana de Arte de 22’ por ali, quem sabe não me dá alguma mísera ideia. Até hoje nada, mas vale pela corrente de ar. Olho sempre sua arquitetura em um triunfante plongeè absoluto. Parece sempre o prelúdio de alguma cena cinemática.

Sempre penso que estou no quintal dessa casa, de fato estou. Mas do décimo quinto, que não é tão baixo. Olho na sacada dos fundos da casa e parece que há dois seguranças engravatados tomando um pouco de ar fresco entre as antigas pilastras. Lá na época do onça não havia prédios, portanto deveria ser uma bela vista para os jardins, fontes e natureza domada. Mas logo retomo e penso que deve ser muito chato ser segurança e engravatado, de um lugar que nem deve ter muito risco de assalto, mesmo para o padrão nacional que roubam qualquer coisa, mais ainda, ter que passar a noite de trabalho acompanhado de outro cara que faz a mesma função sonolenta que você e também é engravatado por uma instituição. Ou seja, nesse caso a inutilidade vem dobrada e uniformizada. E ainda por cima não se mexem, olham o vazio, cada um de um lado da varanda fazendo uma leve sombra no pátio, oriunda da luz amarelada que ilumina o espaço. Acho que estão sem assunto também, porque não ouço um pio. Também não estão fumando. Já devem saber de cor e salteado quantas folhas têm em cada árvore do quintal, se bobear deram nomes ou apelidos a elas. Olho para os prédios vizinhos em busca de algum outro cidadão infeliz que perdeu o sono e se debruça na janela em repúdio ao calor, mas logo volto a olhar para baixo e a monotonia continua intacta, mas um pouco mais embaralhada. Um pouco mais distante e bem mais real.

Desconfio dessas imagens, na verdade sempre desconfiei, deixei levar. As sombras da madrugada já fazem parte de mim e também sou sombra e dia. Vou atrás de um par de óculos, tateio a mesa e encontro um. Refaço o caminho inicial, como um perito policial refaz a cena do crime. Vejo primeiramente que infelizmente não é tão tarde e essa noite promete, como vejo também que o Elvis realmente estava ali na porta, com o focinho voltado para a parede, do tipo não me incomode – volte amanhã. Tenho meu olhar atirado para as sombras que fazem múltiplos contrastes em preto e branco na sala, são bonitas, são geométricas e modernistas. Olho um tempo para o teto e descubro mais contornos e formas, depois retorno por alguns segundos para a janela dos fundos, apenas para me certificar. Inclino minha cabeça para ver finalmente que as pessoas da casa são apenas sombras de frutos míopes e silenciosos, esculturados e arquitetados desde mil novecentos e bolinha.

o arquiteto

Observo o arquiteto olhando calmamente para o alto, mirando aquele velho palacete vazio do séc. XIX, que também observo todos os dias com dezenas de indagações. Não é a primeira vez que “esbarro” com aquele senhor. Dessa vez, crio coragem, saco os fones, pauso o instante e o cumprimento meio que em total reverência. Ele sorri, simpático e entre uma palavra e outra diz que seu filho também é fotógrafo. Não ouso falar muito, escuto apenas. Em um instante de alta curiosidade pergunto se mora por ali e logo certifico que somos vizinhos de rua. Nos despedimos, ele então segue seus passos sobre a urbanidade. E eu, com a sensação certificada que tive o prazer de conversar com Paulo Mendes da Rocha.

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