Quem me conhece, sabe que evito repetir caminhos. O livre caminhar proporciona elevado grau de mobilidade, oportunidade e vividez. Pois foi assim que o notei, em uma rua das mais comuns. Muitos pagariam para ouvi-lo falar sobre as cidades, eu inclusive. Como já havia o abordado certa vez, fui sem timidez o parabenizando pelo Leão de Ouro da La Biennale di Venezia. Paulo Mendes da Rocha é um gênio brasileiro pé no chão, literalmente. Se eu acordasse pela manhã e soubesse que o encontraria e bateria um papo logo mais, talvez ficasse ansioso. Acabei ganhando uma grande honraria de caminhar ao seu lado, até a portão do prédio que eu moro, caminho para o dele. Durante algumas quadras explorei suas ideias e tive um pouco de ousadia de fazê-lo gentilmente ouvir semibreves. Na mais absoluta tranquilidade e fluidez, ele conecta os temas em perfeito legato. Perguntei sua opinião sobre algumas passarelas e túneis sobre cacos de vidro urbanos. Concordamos na estupidez de acreditar que a violência não sobe escadas. Ele afirma que enquanto houver desigualdade social e pobreza, não há passarela que iniba qualquer tipo de violência. Simples. E fomos vencendo a General Jardim.
Em certo momento, um automóvel saiu da garagem de um edifício, de modo que tivemos que parar. O carro passa imperativo sobre a calçada, bem na nossa frente, toca o asfalto e sobe a ladeira. Como se desenhasse no ar, ele então aponta e me explica uma das maiores incongruências de uma cidade. Mostro o estado febril da calçada como uma continuidade de seu pensamento. Ele então olha para o alto e mira outro edifício; lamenta a ausência de planejamento, normas e essa coisa toda. Como bom brasileiros, rimos. Aproveito e estico a linha sobre a questão dos condomínios-cidades, em que ele afirmou recentemente serem “os ovos da serpente”. Sem repetir o que já disse para os jornalistas, ele mata a questão com gentileza (na verdade lendo minha mente): “se vivêssemos todos trancados em um condomínio, não teria o prazer de encontrá-lo por aqui e bater esse papo na rua, no trivial caminho de volta para casa.”
Imagem:
Cadeira Paulistano
1957
Paulo Mendes da Rocha
Acervo MoMA